Florianópolis é um território tradicional indígena. Sua formação geopolítica, suas fronteiras e dimensão territorial como conhecemos atualmente, é resultado de um processo histórico recente. Antes de qualquer europeu aqui chegar e impor qualquer limite, já haviam populações que habitavam essa ilha, das quais descendem os atuais povos indígenas que vivem hoje na região.
No Estado de Santa Catarina há pelo menos três etnias diferentes: Guarani, Kaingang e Xokleng. Cada uma delas definiram seus territórios a partir de limites bem diferentes da geografia catarinense contemporânea. Nesse sentido, Florianópolis é entendida por cada uma das etnias, como parte da sua área tradicional.
Dessa forma, além de legal, é legítima a presença dos povos indígenas com seus costumes, cultura e tradições em Florianópolis.
Na capital catarinense vivem 1.028 indígenas, segundo o IBGE 2010. Número que cresce consideravelmente no período do verão, pela presença especialmente dos Kaingang que vem para o município vender seus artesanatos, aproveitando a presença de turistas na alta temporada.
O Poder Público Municipal de Florianópolis desconsidera e desqualifica, historicamente, a presença indígena na cidade. Numa postura higienista, entende essas populações como invasores, especialmente aqueles que chegam no verão para fazer suas vendas.
Nós do Mandato Agroecológico estamos, literalmente, desde o primeiro dia do mandato em defesa dos povos originários como um todo e especificamente em defesa dos indígenas que nessa cidade moram ou que aqui passam, por qualquer motivo.
Em dezembro de 2016, ainda antes de tomar posse como mandato de vereador, nos deparamos com o fato da presença dos Kaigang, para mais uma temporada de comércio de seus artesanatos, que, sem lugar pra ficar, ocuparam o espaço embaixo do elevado Dias Velho, na entrada da cidade, na sua maioria mulheres e crianças.
Em ação conjunta à outras entidades de defesa indígena, conseguimos que o juiz Marcelo Krás sentenciasse ação responsabilizando União, Estado e município a dar solução emergencial ao caso, destinando o espaço abandonado do antigo Terminal Urbano do Saco dos Limões – TISAC para o acolhimento dos Kaigang, e que se criasse um Grupo de Trabalho, coordenado pelo Ministério Público Federal, para a construção de uma Casa de Passagem Indígena no município de Florianópolis.
O fato é que o Grupo de Trabalho criado para deliberar construção desse equipamento público, na qual o mandato agroecológico participa, junto a União, o Estado, o município de Florianópolis, a FUNAI e o mandato do vereador Lino, pareceu muito com uma novela mexicana. Com um empurra-empurra de responsabilidades, foi apenas em outubro de 2018 que conseguimos assinar um Termo de Compromisso entre as instâncias envolvidas, que garantia a construção da Casa de Passagem Indígena no terreno cedido pela União à prefeitura, localizado ao lado do TISAC. O prazo para a construção era, no máximo até a temporada do verão de 2019. O que até agora não se realizou.
Importante dizer que a responsável única pela construção dessa Casa de Passagem é, segundo esse Termo de Compromisso, a prefeitura de Florianópolis. As responsabilidades da União, com a cessão do terreno, e do Estado, da forma que estava acordado, foram todas cumpridas.
Foram quatro anos, desde a sentença judicial, de extremo descaso, desconsideração e desqualificação da prefeitura de Florianópolis com a presença indígena na cidade. Isso sem contar o histórico de violências desde o primeiro dia da colonização destas terras.
Nesse tempo, o nosso mandato agroecológico se colocou combatente nessa situação. Hora trabalhando para um acordo no Grupo de Trabalho coordenado pelo Ministério Público, hora em ação direta de garantia da sobrevivência e dignidade dos indígenas na cidade.
Nesse momento, o estado da arte da situação é desesperador. Dois motivos nos fazem crer que voltamos à estaca zero: 1. Ao assinar o Termo de Compromisso, em outubro de 2018, a ação judicial foi suspensa, em acordo mútuo; e 2. O decreto de emergência pública no município de Florianópolis, pela pandemia da Covid-19, fez com que todos os indígenas que ocupavam o TISAC desde 2018 fossem forçados a voltar pras suas comunidades de origem, enfraquecendo a resistência que eles faziam.
É neste cenário que o nosso mandato e o mandato do vereador Lino protocola o Projeto de Lei que estabelece a Política para os Povos Indígenas no âmbito de Florianópolis.
Este projeto de Lei tem a intenção de transformar em Política Pública a relação do Estado com os povos indígenas, no caso o município de Florianópolis. Se aprovado, trará para a luta indígena pelo menos dois grandes avanços:
1- Historicamente, a presença indígena no município de Florianópolis é tratada, pela gestão pública municipal, com total indiferença, quando não com racismo. Todas as ações realizadas pela gestão municipal que garanta os Direitos Indígenas precisam ser forçadas pelo Ministério Público, especialmente ao que se refere à presença indígena na cidade nos meses da alta temporada. Esse Projeto de Lei garante o Direito Indígena, independente do governo que estiver no poder.
2- O projeto de Lei acompanha a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho que preconiza em seu Artigo 6º que “ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”.
Desta forma, todo o esforço do PL é em garantir a presença indígena nos espaços de decisões do Poder Público Municipal, possibilitando uma abertura do diálogo necessário nas instituições democráticas.
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